top of page
  • biossistemasufabc

SARS-CoV-2: o porquê da transferência entre espécies e da alta susceptibilidade humana à infecção

Atualizado: 6 de mai. de 2020

By Dra. Lívia de Moraes Bomediano Camillo, Doutora em Biossistemas. UFABC.


SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19 em humanos, apareceu pela primeira vez na China em dezembro de 2019 e agora está espalhado pelo mundo, com 2.878.196 casos confirmados de contaminação e 198.668 mortes decorrentes até a data de 27 de abril de 2020, segundo informe da Organização Mundial da Saúde (1). SARS-CoV-2 é um vírus de RNA fita simples da família Coronaviridae, de origem recente, estimada por sequenciamento do genoma de diversas linhagens por Li e colaboradores (2), onde a taxa de mutação indica sua origem em torno de novembro de 2019.

O vírus SARS-CoV-2 é classificado como um Beta coronavirus subgênero Sar becovirus com aproximadamente 70% de similaridade com o vírus SARS-CoV, causador da Síndrome Respiratória Aguda em humanos, responsável pelo surto em 2003. Li e colaboradores, assim como Zho e colaboradores, mostraram que SARS-CoV-2 é altamente similar ao coronavírus de morcegos e possui similaridade com coronavírus de cobras, tartarugas e pangolins (3, 4). Desta forma, a teoria mais aceita no momento, segundo os estudos mais recentes de metagenômica, sugere que estes animais possam ter sido hospedeiros intermediários entre morcegos e humanos (4, 5).

O vírus SARS-CoV e SARS-CoV-2 compartilham o mesmo mecanismo de entrada nas células humanas através de sua proteína S, utilizando a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) humana como receptor (6, 7). O processo de um transbordamento entre espécies, ou seja, a transmissão de um patógeno entre um animal vertebrado e humanos, é complexo e neste caso parece estar associado a uma maior eficiência em reconhecer o receptor do hospedeiro, o que define então a preferência de um patógeno por uma espécie (7, 8). Estudos sugerem que mudanças associadas à seleção natural em cinco aminoácidos do sítio ativo da proteína S do SARS-CoV-2 são responsáveis pela alta preferência desta proteína com o receptor humano ACE2 (9, 10). Além disso, proteases chamadas furinas estão associadas à quebra da proteína S em suas subunidades S1 e S2, permitindo a fusão das membranas viral e celular. Estas proteases furinas estão presentes de forma abundante no trato respiratório humano. De forma interessante, foi demonstrado que a proteína S do coronavírus de morcegos e pangolins não possuem sítio de clivagem por furinas, o que seria um indício de uma barreira para o transbordamento zoonótico entre os demais animais (9).

Fam e colaboradores fizeram um estudo comparativo de 70 ortólogos (mesma função e origem em comum) do receptor ACE2 e sobre a variação genética de sítios de ligação do receptor entre populações humanas (9). Os resultados mostram que as taxas de mutação e recombinação de vírus do tipo SARS-CoV são muito altas, o que explica porque estes vírus conseguem trocar de hospedeiros com uma frequência grande e pular entre espécies evolutivamente distantes (9, 10). Também mostraram que não foram encontrados muitos polimorfismos (variação fenotípica) entre os receptores das populações humanas estudadas, ou seja, todas as populações humanas estão sujeitas à infecção pelo SARS-CoV-2. Outro resultado interessante obtido por Melim e colaboradores foi que outros representantes da ordem dos primatas, como grandes símios da Ásia e África, possuem receptores ACE2 com alta similaridade em relação ao ACE2 humano, sugerindo que estas espécies de macaco são também igualmente susceptíveis à infecção por SARS-CoV-2 (10).

Os estudos mostram que grande parte da especificidade do receptor ACE2 é atribuída a seleção natural positiva (9, 10). SARS-CoV-2 é um vírus com alta performance em infectar seres humanos e pelos estudos citados, não é capaz de infectar com a mesma eficiência outras espécies, com exceção dos grandes símios. Porém, novas mutações ou recombinações podem fazer com que o vírus SARS-CoV-2 se torne capaz de transbordar novamente a barreira entre espécies e infectar outros animais. Estudos e acompanhamento da evolução deste vírus também são cruciais para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas e ajudam no melhor entendimento da doença.


1. Organização Mundial da Saúde. Situation Report n. 98, 27 de abril de 2020. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/

2. Li G, Fan Y, Lai Y, Han T, Li Z, Zhou P, Pan P, Wang W, Hu D, Liu X et al. (2020a) Coronavirus infections and immune responses. J Med Virol 92:424–432.doi:10.1002/jmv.25685.

3. Li R, Qiao S and Zhang G (2020b) Analysis of angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2) from different species sheds some light on crossspecies receptor usage of a novel coronavirus 2019-nCoV. Journal of Infection 80:469–496.doi:10.1016/j.jinf.2020.02.013.

4. Zhou P, Yang X-L, Wang X-G, Hu B, Zhang L, Zhang W, Si H-R, Zhu Y, Li B, Huang C-L et al. (2020) A pneumonia outbreak associated with a new coronavirus of probable bat origin. Nature 579:270– 273.doi:10.1038/s41586-020-2012-7.

5. Lam TT-Y, Shum MH-H, Zhu H-C, Tong Y-G, Ni X-B, Liao Y-S, Wei W, Cheung WY-M, Li W-J, Li L-F et al. (2020) Identifying SARS-CoV-2 related coronaviruses in Malayan pangolins. Nature. doi:10.1038/s41586-020-2169-0.

6. Li F, Li, W, Farzan, Michael and Harrison, Stephen (2005) Structure of SARS Coronavirus Spike Receptor-Binding Domain Complexed with Receptor.Science 309:1864–1868.doi: 10.1126/science.1116480.

7. Hoffmann M, Kleine-Weber H, Schroeder S, Krüger N, Herrler T, Erichsen S, Schiergens TS, Herrler G, Wu N-H, Nitsche A et al. (2020) SARS-CoV-2 Cell Entry Depends on ACE2 and TMPRSS2 and Is Blocked by a Clinically Proven Protease Inhibitor. Cell S0092867420302294. doi:10.1016/j.cell.2020.02.052.

8. Wan Y, Shang J, Graham R, Baric RS and Li F (2020) Receptor Recognition by the Novel Coronavirus from Wuhan: an Analysis Based on Decade-Long Structural Studies of SARS Coronavirus. J Virol 94:e00127-20, /jvi/94/7/JVI.00127-20.atom.doi:10.1128/JVI.00127-20.

9. Fam BSO, Vargas-Pinilla P, Amorim CEG, Sortica VA and Bortolini MC (2020) ACE2 diversity in placental mammals reveals the evolutionary strategy of SARS-CoV-2. Genetics and Molecular Biology.

10. Melin, A. D., Janiak, M. C., Marrone, F., Arora, P. S., & Higham, J. P. (2020). Comparative ACE2 variation and primate COVID-19 risk. bioRxiv.

296 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Covid-19 : muito além de uma síndrome respiratória

by Graziele Cristina Ferreira, doutoranda em Biossistemas e Dra. Lívia de Moraes Bomediano Camillo, doutora pelo programa de pós-graduação em Biossistemas No início da pandemia, acreditava-se que a do

Post: Blog2 Post
bottom of page