by Dra. Martha Oliveira, Bacharel em Biomedicina pela UFRGS, Mestre em Microbiologia Agrícola e do Ambiente (UFRGS), PhD pela The University of Queensland
Nem tudo está perdido. Há ações para diminuir o impacto desses doenças em nosso dia-a-dia. O Projeto Viroma Global (GVP) é uma iniciativa da OMS para mapear potenciais viroses zoonóticas. O GVP, criado em 2018, organiza o desenvolvimento de abordagens de prevenção contra futuras ameaças, conectando cientistas, capacitando locais onde a emergência de novos agentes é comum e promovendo acesso a dados e estratégias para prevenir epidemias [7]. O projeto Predict (com início em 2008 e operando em mais de 35 países na identificação de ameaças pandêmicas emergentes) já descobriu mais de 1000 vírus, incluindo, em 2013, um vírus semelhante ao SARS que era capaz infectar células humanas [11]. Neste trabalho, os autores já destacavam a importância de programas de descoberta de patógenos em vida selvagem com alto risco para emergência de doenças como estratégia de preparação para pandemias. Projetos assim envolvem profissionais de diversos campos – ecologistas, agentes de saúde pública, veterinários, epidemiologistas, biólogos, cientistas. Eles determinam estratégias eficientes e modelos adequados de amostragem com o intuito de obter os resultados mais completos possíveis, isto é, como coletar, identificar e caracterizar o maior número de novas zoonoses, associando aos dados de campo (hospedeiro natural, possível via de transmissão, região geográfica...). Conhecer a ecologia viral é vital para organizar a devida preparação frente a futuro surtos [6]. Programas assim são caros, pois requerem cooperação internacional e milhões em investimentos governamentais; mas, como vemos hoje, podem economizar bilhões se comparados com os danos causados por uma pandemia.
Apontar culpados para a pandemia, não faz sentido e não resolve o problema. Vivemos em um mundo globalizado e somos todos culpados pelo surgimento e disseminação de novos vírus. No Brasil, nunca houve preocupação em relação ao vírus Zika até 2015 [12], quando o primeiro caso foi documentado no país. Surtos do vírus Zika, que era endêmico somente na África, começaram a ser detectados em outras partes do planeta em 2007. O alerta, sobre uma possível epidemia, já havia sido dado em 2013 por cientistas [13-15]. Na época, a epidemia trouxe consigo uma grande comoção nacional, que desapareceu assim que a grande mídia parou de reportar a doença. Os cientistas pararam de pesquisar sobre o Zika? Não [16]. O vírus sumiu? Não [17]. O que sumiu foi o interesse popular, porque as pessoas voltaram a se sentir seguras. Com os coronavírus a situação é parecida: epidemias vinham acontecendo e cientistas vinham alertando. Os primeiros casos de COVID-19 foram registrados e as medidas de controle e combate foram tímidas. Muitas pessoas, mesmo sabendo que haviam sido expostas ou apresentando sintomas leves, não respeitaram as orientações de auto isolamento. O resultado é o país todo de castigo em casa e os profissionais de saúde e governamentais trabalhando exaustivamente para conter a situação. Que isso não venha acontecer mais uma vez, seja com coronavírus, seja com outro vírus que ainda não conhecemos. Estabelecer medidas de vigilância, prevenção e controle são fundamentais. Respeitar essas medidas também é. Se não nos anteciparmos as próximas, estaremos sempre correndo atrás do prejuízo. Afinal, a questão não é “se” novas pandemias vão acontecer, mas “quando”.
Referências
1. WHO. Pandemic (H1N1) 2009. https://www.who.int/csr/disease/swineflu/en/. (Acesso em 05/04/2020).
2. WHO. Emergencies preparedness, response. Pandemic (H1N1) 2009 - update 112. https://www.who.int/csr/don/2010_08_06/en/ (Acesso em 05/04/2020).
3. WHO. Emergencies preparedness, response. Cumulative Number of Reported Probable Cases of SARS (2003). https://www.who.int/csr/sars/country/2003_07_11/en/ (Acesso em 05/04/2020).
4. WHO. International travel and health. SARS. https://www.who.int/ith/diseases/sars/en/ (Acesso em 05/04/2020).
5. WHO. Middle East respiratory syndrome coronavirus (MERS-CoV). https://www.who.int/emergencies/mers-cov/en/ (Acesso em 05/04/2020).
6. WHO. Emergencies. Pandemic, epidemic diseases. https://www.who.int/emergencies/diseases/en/. (Acesso em 05/04/2020)
7. Carroll, D., Watson. B. et al., Building a global atlas of zoonotic viruses. Bulletin of the World Health Organization 2018; 96:292-294. doi: http://dx.doi.org/10.2471/BLT.17.205005
8. Devaux CA, Mediannikov O, Medkour H, Raoult D. Infectious Disease Risk Across the Growing Human-Non Human Primate Interface: A Review of the Evidence. Front Public Health. 2019;7:305. Published 2019 Nov 5. doi:10.3389/fpubh.2019.00305
9. SESAI - Secretaria Especial de Saúde Indígena. Coronavírus: Monitoramento dos DSEIS. http://www.saudeindigena.net.br/coronavirus/. Acesso em 04 de abril de 2020.
10. Smiley Evans T, Shi Z, Boots M, et al. Synergistic China-US Ecological Research is Essential for Global Emerging Infectious Disease Preparedness. Ecohealth. 2020;17(1):160–173. doi:10.1007/s10393-020-01471-2
11. Ge, X., Li, J., Yang, X. et al. Isolation and characterization of a bat SARS-like coronavirus that uses the ACE2 receptor. Nature 503, 535–538 (2013). https://doi.org/10.1038/nature12711
12. Brogueira, P., Miranda, A.C. Vírus Zika: Emergência de um Velho Conhecido. Medicina Interna, Lisboa , v. 24, n. 2, p. 146-153, jun. 2017.
13. Herrera, B.B., Chang, C.A. et al. Continued Transmission of Zika Virus in Humans in West Africa, 1992–2016, The Journal of Infectious Diseases, Volume 215, Issue 10, 15 May 2017, Pages 1546–1550, https://doi.org/10.1093/infdis/jix182.
14. Kanki, P. Zika has been in Africa since the 1940s, so why do we know so little about it? World Economic Forum, 2017. https://www.weforum.org/agenda/2017/07/understanding-zika-s-silent-presence-in-africa-is-key-to-tackling-the-next-epidemic/ (Acesso em 05/04/2020)
15. Galindo-Fraga A, Ochoa-Hein E, et al. Zika Virus: A New Epidemic on Our Doorstep. Rev Invest Clin. 2015;67(6):329–332.
16. Oliveira J.F., Pescarini J.M. et al. The global scientific research response to the public health emergency of Zika virus infection. PLoS One. 2020;15(3):e0229790. Published 2020 Mar 12. doi:10.1371/journal.pone.0229790.
17. Rezende H.R., Romano C.M. et al. First report of Aedes albopictus infected by Dengue and Zika virus in a rural outbreak in Brazil. PLoS One. 2020;15(3):e0229847. Published 2020 Mar 12. doi:10.1371/journal.pone.0229847.
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