top of page
biossistemasufabc

Animais domésticos são suscetíveis à COVID-19? O que se sabe até o momento

By Gilmara Barros de Lima, Bióloga, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Biossistemas. Revisado por Dra. Livia de Moraes Bomediano Camillo


Logo que a COVID-19 se tornou um problema de saúde mundial, muitas perguntas vieram à tona. E uma delas repercutiu, em especial, entre biólogos e veterinários: animais podem se contaminar com SARS-CoV-2 e desenvolver infecção por COVID-19?


Assim como em qualquer nova doença, as primeiras respostas vieram da observação de casos isolados, sem respaldo científico. A primeira observação reportada foi a de dois cães que testaram positivo para SARS-CoV-2 em Hong Kong, China [1]. Um dos cães, já bem idoso, faleceu, mas a causa do óbito não foi confirmada visto que seu tutor não permitiu a autópsia. O outro cão, embora com resultado positivo, permaneceu assintomático. No final de março, o Serviço Federal de Saúde Pública da Bélgica anunciou que um terceiro animal, um gato, havia sido testado positivo para SARS-CoV-2 [2]. O gato começou a apresentar sintomas como diarreia, vômito e problemas respiratórios cerca de duas semanas depois de seu tutor adoecer por COVID-19, o animal se recuperou muito bem após 9 dias de sintomas. Logo em seguida, foi anunciado que uma tigresa no Zoológico de Bronx, Nova York, USA, havia sido testada e positivada com o SARS-CoV-2. Além dessa tigresa, 4 outros tigres e 3 leões no mesmo zoológico tiveram resultados positivos de COVID-19 [3].


Muitos outros casos foram observados, porém dada a dificuldade em ter disponibilidade de testes para confirmar a COVID-19, muitos desses casos não foram registrados. Porém, essas observações começaram a exigir que um estudo científico com metodologia científica rígida fosse feito para esclarecer a pergunta inicial: animais podem se contaminar com SARS-CoV-2 e adoecer por COVID-19?


No dia 29 de maio, um estudo de um grupo de pesquisadores chineses foi publicado na revista Science respondendo a essa pergunta [4]. Os cientistas usaram duas cepas de vírus em seus experimentos: (I) SARS-CoV-2 /F13-E, isolado de uma amostra ambiental coletada no mercado de frutos do mar Huanan em Wuhan, e (II) SARS-CoV-2 CTan-H, isolado de um paciente humano. Os primeiros animais analisados foram furões (Mustela putorius). Pares de furões foram inoculados intranasalmente, enquanto outros foram inoculados intratraquealmente e os animais foram sacrificados em diferentes dias (2, 4, 8, 10, 12, 13, 14 e 20 dias) pós-inoculação (p.i.) para análises. O corneto nasal, palato mole, amígdalas, traquéia, pulmão, coração, fígado, baço, rins, pâncreas, intestino delgado e cérebro de cada furão foram coletados para quantificação de RNA viral por teste de PCR quantitativo e titulação de vírus em células Vero E6. Ao final dos experimentos os resultados indicaram que o SARS-CoV-2 tanto por RNA viral quanto por vírus infeccioso foram detectados no trato respiratório superior dos furões, mas sua replicação em outros órgãos foi indetectável, assim o SARS-CoV-2 pode se replicar no trato respiratório superior dos furões por até 8 dias sem causar doença grave ou morte.


Três cães foram analisados usando swab orofaríngeos e retais para detecção de RNA e titulação de vírus em células Vero E6, desses apenas um apresentou resultado positivo para RNA viral por swab retal, mas o RNA viral não foi detectado em nenhum órgão ou tecido coletado deste animal. Além disso, o vírus infeccioso não foi detectado em nenhum swab coletado em nenhum dos outros cães. Essa mesma estratégia foi usada para estudar porcos, galinhas e patos e em nenhum desses animais foi detectado RNA viral nem anticorpos, o que indica que eles não são suscetíveis ao SARS-COV-2 [4].


Esses achados se mostraram bem diferentes das análises feitas em gatos. Cabe primeiramente ressaltar que há muito tempo se sabe que os felinos são acometidos por outros biótipos de coronavirus (FCoV). Os pesquisadores fizeram experimentos para analisar a replicação e também a transmissão do SARS-CoV-2 entre gatos. A princípio, sete gatos jovens (com idade de 6 a 9 meses) foram inoculados intranasalmente com a cepa do SARS-CoV-2 CTan-H. A fim de verificar a possibilidade de transmissão através de gotículas respiratórias, os pesquisadores colocaram três desses gatos em gaiolas separadas dentro de um isolador e um gato não infectado em uma gaiola adjacente a cada um dos gatos infectados. Como resultado, na autópsia, foram detectados RNA viral e vírus infeccioso no corneto nasal, palatos moles, amígdalas, traquéias, pulmões e intestino delgado dos animais. Os pesquisadores repetiram os experimentos de replicação e transmissão em filhotes (com idade entre 70 a 100 dias), alguns morreram antes mesmo da data marcada para eutanásia e a análise histopatológica revelou lesões maciças nos epitélios e pulmões da mucosa nasal e traqueal. Quanto à transmissão, os animais expostos, surpreendentemente, foram contaminados por via aérea [4].


Portanto, esse primeiro estudo, em resumo, revelou que porcos, galinhas e patos não são suscetíveis ao SARS-CoV-2; os cães têm baixa suscetibilidade; furões se mostram o modelo animal mais eficaz para estudo de possíveis estratégias terapêuticas, pois o vírus só se replica no trato respiratório superior desses animais; e gatos são altamente suscetíveis ao SARS-CoV-2 sendo que os filhotes são mais vulneráveis ​​do que gatos mais velhos e o vírus é transmissível entre gatos por via aérea [4].

Os achados deste primeiro estudo se mostram importantes não só para a determinação de um bom modelo animal para as pesquisas [5], mas também para o correto manejo animal, pois à medida que um tutor responsável se torna ciente de que seu animal de estimação pode contrair COVID-19 ele passa a adotar medidas de prevenção e isolamento para a proteção de seu animal.


No dia 02 de junho, o Departamento de Agricultura e de Serviços veterinários dos Estados Unidos anunciou que um cão Pastor Alemão com sintomas de doença respiratória recebeu o diagnóstico positivo para SARS-CoV-2 após contato próximo com pessoas infectadas [6]. O órgão solicitou que as pessoas com COVID-19 evitem contato próximo com seu animal de estimação, visto que há fortes evidências indicando risco de transmissão humano-animal. Não há nenhum caso documentado que indique que a transmissão também se dê por via inversa (animal-humano), por isso os pets não estão incluídos na cadeia de transmissão do SARS-CoV-2.


Certamente é essencial que estudos de investigações continuem sendo conduzidos a fim de salvaguardar a saúde de todos: tutores, médicos veterinários, tratadores e animais.


REFERÊNCIAS:

[1] Sit, T.H.C., Brackman, C.J., Ip, S.M. et al. Infection of dogs with SARS-CoV-2. Nature (2020). https://doi.org/10.1038/s41586-020-2334-5

[2] Bryner, Jeanna. Cat infected with COVID-19 from owner in Belgium. Live Science Editor-in-Chief, 2020. Disponível em https://www.livescience.com/cat-infected-covid-19-from-owner.html

[3] WCS Newsroom. Update: Bronx Zoo Tigers and Lions Recovering from COVID-19. Bronx, NY, 2020 Disponível em: https://newsroom.wcs.org/News-releases/articleType/ArticleView/articleId/14084/Update-Bronx-Zoo-Tigers-and-Lions-Recovering-from-COVID-19.aspx

[4] SHI J, Wen Z, Zhong G, et al. Susceptibility of ferrets, cats, dogs, and other domesticated animals to SARS-coronavirus 2. Science. 2020;368(6494):1016‐1020. doi:10.1126/science.abb7015

[5] SEEMA S. LAKDAWALA, VINEET D. MENACHERY. The search for a COVID-19 animal model. SCIENCE 29 MAY 2020 : Vol. 368, Issue 6494, pp. 942-943 DOI: 10.1126/science.abc6141

[6] Daly, Natasha. A German shepherd is first dog in the U.S. to test positive for the coronavirus. National Geographic, 2020. Disponível em: https://www.nationalgeographic.com/animals/2020/06/first-dog-to-test-positive-in-us-for-coronavirus/


256 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Post: Blog2 Post
bottom of page